Sierra Burgess: entre máscaras, espelhos embaçados e selfies da alma

Essa resenha não é um convite ao linchamento moral da Sierra Burgess (Shannon Purser), como se ela fosse mais uma personagem tosca de "videocassetadas emocionais". Antes de julgá-la, deixa eu contar o que vejo por trás da fantasia. Sierra é como um camaleão perdido no próprio disfarce. Esconde-se atrás de ironias inteligentes e perfis falsos, tentando ser amada sem ser vista. É como se dissesse: “Se eu mostrar quem sou, não vão ficar.” O ego constrói máscaras e a alma sufoca embaixo.

Quando ela finge ser Veronica(Kristine Froseth) para conquistar Jamey (Noah Centineo), parece estar só brincando de amor adolescente. Mas o que ela faz é montar um ego ideal: um “eu” aceitável, vendável. Um falso self, como diria Winnicott: criado para sobreviver onde o verdadeiro não se sente seguro. A amizade com Veronica começa como espelho distorcido. Sierra enxerga nela o que gostaria de ser, mas acaba encontrando semelhanças inesperadas. É aquele momento em que a rival vira irmã de dor, e o desejo de ser o outro dá lugar ao desejo de ser a si mesma, com menos medo. 

Sei que fica difícil não cair na  comparação sobre as curvas narrativas dessas duas personagens. Obvio que a redenção da Verônica é lindamente notável, tão linda quanto ela.  A gente termina o filme apaixonadas pela líder de torcida . Mas a curva da Sierra também existe e assim como ela, é tímida e desajeitada, nada que fique tão "instagramável " frente aos nossos olhos. Mas é tão injusto dizer que ela não existe... e é no jogo que ela se mostra. A fantasia cai. Não tem sapatinho de cristal, mas tem exposição, vergonha e a perda do controle da narrativa. É ali que o superego bate mais forte: a culpa, o olhar do outro, o medo do cancelamento emocional.



A Apologia das Migalhas

A redenção de Sierra começa torta sim, como quase tudo nela. Mas é real. Ela pede desculpas, mas não apaga o passado. Só tenta ser honesta pela primeira vez. Cada pedido de perdão é uma tentativa de costurar uma ferida sem esconder a cicatriz. Ela começa a aceitar sua própria bagunça, como quem veste um suéter estranho e diz: “É feio, mas é meu.” A identidade não vem pronta, é um processo. E a maior coragem talvez seja desistir de parecer perfeita.

A comédia do filme serve como válvula de escape. É o riso como mecanismo de sobrevivência, o famoso “rir pra não chorar”. Sierra descobre que é possível rir de si mesma sem se destruir. O riso, aqui, é mais afeto do que defesa. Sierra não vira heroína. Só para de fugir. Sua jornada não é sobre se transformar, mas sobre aparecer na própria vida. Se a foto ainda sai tremida, tudo bem. Ela enfim aprendeu que o olhar mais importante é o seu próprio, e que amor-próprio é treino, não milagre.


Um curativo poético se permitido for: 

A Sierra nos lembra que a jornada de se tornar quem se é, dói porque exige coragem para se encarar sem o conforto das fantasias. É como cantar desafinado na frente do espelho: desconfortável, parece sem sentido,  mas é  libertador. E só quem ousa cantar desafinado, cedo ou tarde, encontra sua própria melodia.


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🎬CLAQUETE: 

Título: Sierra Burgess é uma Loser
Titulo Original: Sierra Burgess Is a Loser
Direção: Ian Samuels
Ano: 2020 (EUA)  
Gênero: Comédia /Romance
Duração:1h 45min
Onde assistir: Netflix


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