Página Interior: o trimestre que me replantei


Há dias em que acordo psicóloga, tentando entender o mundo; noutros, escritora, querendo reinventá-lo. No meio disso, reviso trabalhos acadêmicos, sonho com uma loja cheia de miudezas fofas e imagino vídeos que nunca gravo. Me pergunto se sou dispersa ou apenas inteira demais para caber em um molde. Este último trimestre foi justamente sobre habitar essa pluralidade, um exercício intenso de aceitar que sou uma coletânea de eus, e não uma personagem única e plana.

Julho, agosto e setembro formaram uma espiral onde a confusão externa foi um reflexo fiel da interna. Retomei os atendimentos psicoterapêuticos online, aquele retorno ao divã que, mais do que uma prática profissional, foi um reencontro com minha própria escuta. Paralelamente, senti a necessidade de um novo batismo para o blog: “Divã Literário” deu lugar à “Página Interior”. Foi mais do que uma troca de nome; foi um alinhamento de propósito, um convite para que o exterior espelhasse com mais verdade o universo interior que desejo compartilhar.

Meu trimestre foi um mosaico. Trabalhei demais em algumas partes, deixei outras dormindo em silêncio. Tentei fazer planos, me perdi nos meus próprios roteiros. Mas percebi que, enquanto me cobrava por foco, o que eu realmente buscava era sentido. E o sentido, às vezes, é movimento, não linearidade. Foi nesse vai e vem que percebi a beleza do processo: a bagunça não era sinal de fracasso, mas de germinação.

E que terreno mais fértil para germinar ideias do que a pequena horta que comecei a construir no quintal? Enfiando as mãos na terra, encontrei uma paciência que me faltava na tela do computador. Aquele cantinho, que agora também acolhe minhas horas de leitura aos finais de semana, tornou-se um lembrete tangível de que algumas das melhores coisas (nas plantas e na vida) exigem tempo, cuidado e a coragem de simplesmente começar, mesmo sem saber tudo.

Até minha estante literária sentiu esse sopro de renovação. Mergulhei de cabeça em “Divinos Rivais”, minha primeira "romantasia", e foi uma deliciosa libertação. Percebi que afastar-se de preconceitos e se permitir novos gêneros é como regar a alma com algo inesperado. Essa abertura ecoou em outra conquista: a criação de uma conta no Substack. Ver aqueles primeiros assinantes chegando trouxe uma satisfação doce e comovente, aquele sussurro gentil de que “sim, tem gente que gosta de ler o que escrevo”.

Foi um trimestre de semear, tanto literal quanto metaforicamente. Semear palavras na nova plataforma, sementes na terra e novas perspectivas na mente. A cobrança por uma identidade única e focada foi, pouco a pouco, sendo substituída pela curiosidade sobre para onde essa multiplicidade pode me levar. Esse espiral, percebi, não é um círculo vicioso, mas uma ascensão, onde cada volta oferece uma vista diferente do mesmo eu complexo que sou.

Talvez o segredo não seja escolher uma versão, mas aceitar que todas moram em mim. A psicóloga observa, a escritora traduz, a revisora organiza, a sonhadora vende o que acredita ser bonito. O trimestre foi confuso, sim.  Mas, no fundo, era eu tentando nascer inteira. E na brisa leve do meu quintal, entre livros e mudas, entendo que ser várias não é sinônimo de estar perdida; é a prova de que estou viva, pulsante e, finalmente, em casa.

Abraços floridos e até a próxima 

Elôh Santos 



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