Confesso que cheguei a esta história pela porta dos fundos , ou melhor, pela tela grande. Assistir ao filme foi o primeiro passo; ver Robert Pattinson como Jacob Jankowski plantou uma sementinha de curiosidade. Ler o livro, que me foi dado de presente, foi como receber o convite para entrar nos bastidores do espetáculo. Água para Elefantes, da talentosa Sara Gruen, publicado no Brasil pela Editora Arqueiro, é daquelas obras que nos envolvem completamente, mostrando que, por trás da lona pintada de um circo, há muito mais do que algodão doce e luzes cintilantes.
Minha TBR de outubro estava bem definida, mas este livro foi daquelas belas e necessárias furadas de fila. A capa romântica e o título sugestivo podem, à primeira vista, sugerir uma história “água com açúcar”, um romance simples sob a grande lona. Que engano feliz o meu. A narrativa é, na verdade, um retrato cru e profundamente humano sobre a luta pela dignidade em meio ao desespero da Grande Depressão, um tema que ressoa com uma força surpreendente.
Além da força temática, a estrutura narrativa é um dos trunfos mais brilhantes da obra. Sara Gruen (uma das minhas autoras prediletas) tece a história em dois tempos: o Jacob idoso, vivendo com a alma aprisionada em um asilo, e o Jacob jovem, que encontra o seu destino ao pular em um trem de circo. Essa alternância não é um mero recurso estético; é a alma do livro.
Através dos olhos do Jacob nonagenário, a narrativa ganha camadas de melancolia, nostalgia e uma sabedoria ácida sobre o envelhecimento, a perda de autonomia e a forma brutal como a sociedade descarta os seus idosos. É um drama pungente sobre a memória e o arrependimento.
Falando em circo, a autora descontrói qualquer noção ingênua que possamos ter. O “Espetáculo Mais Impressionante da América”, do Circo Benzini Brothers, é um microcosmo de brutalidade e sobrevivência. A crueldade com os animais, especialmente a dolorosa e simbólica jornada da elefanta Rosie, que é descrita sem meios-termos, chocando pela veracidade. A hierarquia implacável entre os trabalhadores, a lei do silêncio e a forma como os “homens do espetáculo” são descartados como lixo humanizam uma realidade frequentemente mascarada pelo glamour do show.
O romance entre Jacob e Marlena é, de fato, o fio condutor que costura toda a trama, dando ritmo e coração à história. No entanto, para mim, ele funciona mais como a trilha sonora de um drama muito maior. É um amor proibido que floresce no solo árido da crueldade de August, sem eclipsar as reflexões sociais e éticas que a autora levanta com maestria. A escrita de Sara Gruen é densa sem ser pesada, acessível sem ser simplória, o tipo de escrita que sonho um dia alcançar. Ela tem um dom para a descrição sensorial: é possível quase sentir o cheiro de palha e suor do trem, ouvir o ruído da multidão e a música do carrossel.
Em comparação ao filme, o livro oferece uma imersão infinitamente mais profunda. A complexidade psicológica de August, com seus momentos de charme e violência, é mais explorada, tornando-o uma figura tão trágica quanto aterrorizante. As camadas de sofrimento e resistência do Jacob idoso, que no filme são apenas vislumbradas, tornam-se aqui o pilar emocional da narrativa. A leitura enriquece cada cena, dando voz a pensamentos e contextos que a adaptação cinematográfica, por limitações de tempo, necessariamente precisa abreviar.
Água para Elefantes é, no fim das contas, uma lição sobre encontrar lar no mundo e resgatar a própria história. É um livro que nos lembra que a vida, com toda a sua beleza e ferocidade, é o maior espetáculo da terra. Foi um presente que me fez refletir sobre dignidade, compaixão e as histórias que carregamos até o último ato. Com certeza uma das minha melhores leituras deste ano, e prova de que um livro não precisa ser um lançamento hypado para conquistar tal posição.
Então é isso, respeitável público...
Beijos e até a próxima,
Elôh Santos
LEIA TAMBÉM: Entre bisturis e culpas: o que Leslie Wolfe não suturou em "A Cirurgiã"

%20(15).png)
0 Comentários